História Geológica
É a história geológica do território do aspirante Algarvensis a Geoparque Mundial da UNESCO que permite compreender o território, pois são as diferentes litologias que condicionam a sua geomorfologia e esta à divisão, de raiz popular, do território em cinco zonas, relacionadas com as cores dominantes associadas às litologias, à vegetação e ao oceano.
Sendo na atualidade o único projeto aspirante a Geoparque Mundial da UNESCO localizado na região sul de Portugal, este território e as suas paisagens cromáticas são os testemunhos de uma história geológica que conta o nascimento de cadeias montanhosas e mares antigos, e se estende desde muito antes dos continentes terem a sua configuração atual, ou mesmo de os dinossauros terem existido, até aos dias de hoje.
Esta história começou há mais de 350 milhões de anos (Ma), no fundo do oceano Rheic que separava dois grandes continentes, Euramérica e Gondwana, e onde se depositaram, durante o período Carbónico (360 a 300 Ma), os sedimentos que deram origem aos xistos argilosos e grauvaques, que caracterizam o Flysch do Baixo Alentejo da Zona Sul Portuguesa e afloram na Serra Algarvia. Aí, a deformação, materializada pelas dobras e pelas falhas que afetam as rochas metamórficas e que ajudaram modelar a geomorfologia atual, é testemunho das forças tectónicas compressivas associadas à união dos dois supercontinentes e ao consequente fecho do antigo oceano.
Do desaparecimento do Rheic e da colisão dos dois paleocontinentes referidos, formou-se uma grande cadeia montanhosa - a Cadeia Varisca, passando então a existir um único supercontinente que se estendia de polo a polo: a Pangeia.
Foi nesse supercontinente que surgiram as primeiras espécies de diversos grupos de animais que se conhecem hoje. Nos lagos e rios existentes na margem oriental da Pangeia, depositaram-se os sedimentos que deram origem aos arenitos e argilitos avermelhados, típicos da Beira- Serra algarvia e conhecidos por “Grupo Grés de Silves”. Estes foram resultado da erosão gradual que arrasou a cadeia montanhosa Varisca e o extenso deserto então existentes, principalmente durante os períodos Pérmico (300 a 252 Ma) e Triássico (252 a 200 Ma). Estes períodos estão representados pelo hiato estratigráfico correspondente à discordância angular observada entre o Carbónico e o Triássico Superior, marcando o início da formação da Bacia Algarvia.
Nestas rochas sedimentares, encontram-se os restos da espécie singular, Metoposaurus algarvensis, que, com cerca de 227 Ma, só foi descrito até ao momento nesta região do mundo. Nestas formações, existem igualmente outros fósseis de animais do período Triássico, como os fitossauros e os placodontes, restos paleontológicos muito relevantes para a compreensão da evolução da vida no Planeta durante este período de tempo.
Foi durante o Triássico que se iniciou a abertura do Oceano Atlântico, com a fragmentação da Pangeia, que levou ao afastamento de massas continentais que formavam este supercontinente e que levou à configuração global atual dos continentes.
Toda esta dinâmica, não obstante a lenta evolução de uma nova bacia oceânica, até aos 145 Ma, levou à acumulação, em meio marinho, de materiais evaporíticos (gesso e sal-gema), aos depósitos vulcano-sedimentares associados à Província Magmática do Atlântico Central (CAMP), e, por fim, à formação de sedimentos carbonatados, principalmente durante o período Jurássico.
As rochas geradas no oceano Jurássico, são o principal suporte físico da unidade fisiográfica do Barrocal na Bacia do Algarve. No final do Jurássico Médio (166 a 157 Ma), esta bacia sofreu eventos geodinâmicos importantes que levaram a uma regressão do nível do mar e a uma intensa erosão, ligada a forças compressivas do início da Orogenia Alpina e a movimentos verticais crustais que transformaram a sua fisiografia. Desenvolveu-se então um golfo marinho pouco profundo, localizado numa região correspondente atualmente à zona do Escarpão, em Albufeira, e que se prolongava por Loulé até S. Brás e Tavira.
Os sedimentos nele depositados preservaram fauna abundante de amonites das zonas de Bimammatum e de Planula. As dimensões desse golfo reduziram-se sucessivamente e, em águas tropicais cada vez menos profundas, depositaram-se calcários com nódulos de sílex e grandes extensões de bioconstruções, como corais, esponjas, ou estromatoporóides.
A evolução da bacia do Algarve seguiu o seu curso, ocorrendo na primeira metade do período Cretácico (145 a 95 Ma) a sedimentação de sedimentos, essencialmente detríticos, de natureza fluvial e lacustre, até que, há cerca de 95 Ma, as forças tectónicas compressivas, resultantes da colisão entre os continentes Eurasiático e Africano, produziram o soerguimento de toda a região algarvia.
Foi já durante o Miocénico (23 a 5 Ma) que ocorreram novas transgressões marinhas que possibilitaram a deposição, em discordância, de rochas com fósseis e icnofósseis que indicam ambientes litorais e marinhos de águas bem mais quentes que as atuais.
Posteriormente, a partir do Pliocénico, há cerca de 5 Ma, o território, que se tornou novamente continental, começou a ser esculpido pela ação da água, do vento e dos organismos, o que originou os profundos vales da Serra, as típicas paisagens cársicas do Barrocal e o complexo sistema hidrológico do aquífero Querença-Silves.
Mais recentemente, há cerca de 20 000 anos, durante Pleistocénico superior, após o último episódio de arrefecimento global, a linha de costa encontrava-se à profundidade atual dos 120 metros, tendo sofrido sucessivas variações, principalmente transgressivas, até ao presente, permitindo a formação do sistema lagunar da Ria Formosa e das zonas costeiras húmidas das lagoas dos Salgados e da Almargem.
O território permite ainda a observação da dinâmica da Terra à escala temporal humana, patente na dinâmica do litoral e na erosão costeira, bem documentadas e de fácil observação. Os riscos naturais, quer estejam associados às alterações climáticas ou a eventos extremos como tsunamis, também deixaram marcas na paisagem e influenciaram a evolução e a presença da espécie humana neste território. Neste contexto, refira-se o facto de a Lagoa dos Salgados preservar os depósitos resultantes do tsunami provocado pelo sismo de 1755.
Estes permitem compreender a amplitude e dinâmica deste evento catastrófico que, pela sua dimensão, destruição e impacto global, se constituiu como um marco de mudança conceptual na visão humana do mundo e da dinâmica planetária, sendo por muitos considerado o momento do nascimento da ciência moderna, diferenciada desde então das justificações religiosas dogmáticas para a explicação dos fenómenos naturais.